segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

 Cócegas

"Sinto apenas cócegas por você. E aí digo que é amor. Cócegas são pequenas angústias. Ou grandes angústias, dependendo da intensidade. Cócegas são a denúncia de que não controlo o meu corpo, de que não controlo os meus movimentos, de que não controlo as minhas sensações.

O amor são apenas cócegas na alma. Por mais que eu saiba que você vai me tocar com uma intensidade que oscila entre leve e agressiva, acima do meu ossinho da bacia, morro de agoniazinhas. Grito como se não acreditasse que sou dona de mim. Faço escândalo como se eu não fosse preocupada com a imagem que passo para as pessoas ao meu redor. Te arranho como se eu não me importasse com o susto que te causo.

E acho que a minha parte que mais se aproxima de mim, é assim mesmo. Machuca, desdenha, escandaliza. A minha parte que mais se aproxima de mim me assusta.

E aí eu me visto em várias camadas, tal como uma cebola.

Me visto de palavras, sapatos, roupas minimamente da moda e de ideias politicamente corretas sobre a minha pessoa. E então acho que sou uma pessoa relativamente normal, relativamente equilibrada, relativamente educada, relativamente bem-adaptada, relativa-mente. Ah, como sou mentirosa!

No fundo sei que sou um poço de loucura, lutando avidamente para me disfarçar sem morrer. Porque se deixo de ser louca, deixo de me ser, e então morro. E se enlouqueço sem amarras, morro ainda assim.

A loucura mata, mas a normalidade mata ainda mais. Prefiro morrer de morte vivida do que morrer de morte morrida. Prefiro morrer de cócegas a morrer de uma angústia sem nome.

Ao menos nas cócegas, há alguém me tocando. (A angústia é a pura solidão)

Vocês sabem, é impossível que façamos cócegas em nós mesmos. As cócegas são a encarnação da falência dos livros de autoajuda. Tem coisas que simplesmente não se pode fazer sozinho. É impossível ser feliz sozinho. E se você for uma mulher, talvez seja ainda mais impossível.

Eu te cócegas, meu amor." 

Não pise no meu vazio

Ana Suy Sesarino Kuss

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