segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

 Silêncio

"Quando me encaixo no silêncio que mora em mim sou tomada por uma vontade de não mais me mexer. Articulo palavras mudas que caem do lado de dentro de mim direto num abismo do qual retornam pequenas satisfações que me fazem produzir mais palavras mudas.

Se eu torço pra palavra escorregar pela minha língua e cair no seu ouvido, torço à toa ou torço pouco. De novo a palavra desliza pro meu abismo e só sei disso porque a cada palavra caída uma pequena marca de uma satisfação esquisita se crava em mim. Não consigo sair desse estado sozinha. Às vezes dura alguns segundos, às vezes algumas semanas. É como um transe, que não deixa nenhuma marca e por isso me faz duvidar de que realmente aconteceu. Só saio disso quando alguém deixa a realidade tão intolerável que sou agressivamente convocada a interagir com ela. E aí tenho que me responsabilizar pelo tempo em que estive ausente de mim, o que me desgasta demasiadamente. É tão quentinho o laço que faço comigo, do qual ninguém mais participa... Mas me sou tão insuficiente.... Ao sair do meu estado pseudo-hipnótico não desejo mais retornar a ele. Mas se a realidade se estabiliza, lá estou eu de novo. 

Há algo de extremamente sedutor no silêncio. Talvez seja simplesmente a ausência de qualquer coisa. Tal como uma folha em branco contém em si todos os desenhos do mundo, tal como um pedaço de barro contém em si todas as esculturas do mundo, o silêncio carrega consigo todas as palavras do mundo. O silêncio é infinito, o dizer é tão limitado... Digo silêncios para dizer coisas opostas ao mesmo tempo sem me contradizer. Quando digo palavras minhas ambiguidades ficam escancaradas. Preciso me proteger de mim."

Não pise no meu vazio

Ana Suy Sesarino Kus

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